CURADORIA

Aby Cohen

PROJETO DE CURADORIA PARA A PQ2019

 

A Quadrienal de Praga é um importante lugar de convergência, no qual o espaço e o desenho da cena se desdobram, virando certezas do avesso e provocando inquietudes continuamente. Experiência da qual é difícil sair impune sobre o modo de perceber, pensar e atuar do designer da cena e que se renova a cada quatro anos.

 

Na metáfora de uma ação migratória, somos levados a nos deslocar para este outro lugar, em busca de inspiração, alimento, sobrevivência; para então retornar: mover-se contra o estagnar-se.

 

A PQ, a cada jornada, apresenta-se como paisagem modificada, transformadora, intimamente ligada à construção do outro e do efeito deste no eu. Ambiente no qual compartilhamos referenciais de contextos diversos, reais ou fictícios, desconhecidos ou familiares. É a jornada do individuo inserido no coletivo.

 

Na oportunidade que me foi concedida, de representar meu país mais uma vez na Quadrienal de Praga: Espaço e Desenho da Cena, que terá sua 14ª edição em 2019, procuro conduzir um processo, pensando neste movimento migratório do individual e do coletivo, que tenha significativa ressonância aqui no Brasil, continuando o trabalho que venho realizando há cerca de 20 anos – em promover e fomentar o desenvolvimento do espaço e desenho da cena e do lugar dos artistas que atuam neste campo.

 

Neste momento, portanto, interessa não apenas definir as diretrizes que irão pautar o olhar e a seleção sobre a produção do espaço e desenho da cena nacional, e sobre como apresentá-la em Praga em junho de 2019; mas, sobretudo, construir e solidificar bases internas, em nosso território, antes e depois do evento em Praga.

 

Construção apoiada na busca por renovadas possibilidades para a produção e a reflexão sobre o desenho de cena, que é hoje um ponto convergente entre as artes cênicas, visuais e da performance, um campo híbrido e rico para a criação, produção, pesquisa e formação.

 

Estimulando a participação e o engajamento dos profissionais do desenho da cena durante este processo, a fim de preservar e solidificar a continuidade da forma colaborativa, o trabalho em equipe na forma como vem sendo realizado desde 2007; processos abertos, inclusivos, dos quais artistas e colaboradores sintam-se participantes.

 

A proposta desta curadoria para a participação do Brasil na PQ2019 vai além de proposições conceituais, incluindo um programa de ações que estão em curso, desde junho de 2017, objetivando esta estruturação.

 

TRAÇADOS CONCEITUAIS

 

A influência de um percurso traçado por projetos de cenografia e curadoria, no qual tenho explorado múltiplas possibilidades de criação e exposição, é inevitável neste momento em que as fronteiras de linguagem aparecem borradas e que a necessidade de repensar propostas e processos criativos nas demais disciplinas do desenho da cena se mostra cada vez mais evidente e urgente.

 

Como cenógrafa, tenho buscado uma maneira própria de contar histórias e interagir com o espaço, tornando-o vivo e pulsante, e dando lugar a elementos visuais e sensoriais na concepção de cenas ou narrativas não textuais que possam coexistir de maneira independente. Como curadora, tenho defendido o artista responsável pelo desenho da cena e sua produção, apontando também para a qualidade cênica de obras de artistas fora do teatro, do campo das artes visuais e da performance.

 

Diante de experiências relevantes, vivenciadas na Quadrienal de Praga e fora dela, projetos inéditos e de referência foram realizados com base nas qualidades narrativas do desenho da cena, potencializadas como performance: Desenhos de Cena #1, abraçado pelo SESC São Paulo em 2016; e Cena #2: WSDesign Playground, produzido pelo Festival WSD-World Stage Design/Scenofest, realizado em Taipei em 2017.

 

São projetos que revelam o interesse em explorar e atuar em uma cenografia que deixa de ser um mero suporte para uma cena ter lugar. Iniciativas que nascem do desejo de criar um lugar vivo, um campo rico de experiências através de imagens e composições que se apresentam não apenas como corpos para contemplação, mas que definem um lugar, que desenham o espaço na criação de narrativas cênicas, como um grande palco compartilhado.

 

É neste palco que se desdobram cenas vivas ou arquivadas, no qual as diversas expressões do desenho da cena coabitam e dialogam, podendo ser vivenciadas por todos, independentemente da língua, cultura, origem ou área de linguagem artística. Um palco onde todas as histórias e os temas – amor, morte, medo, conquista, realidade, ilusão, etc. – existem a partir da interação entre as disciplinas deste desenhar, e no qual o público é atuante.

 

A partir dessas investigações e realizações, em resposta à proposta curatorial da equipe artística da PQ2019, que destaca os eixos da ImaginaçãoTransformação e Memória, em referência às três forças motoras do processo criativo que remete à imagem da Triga de Ouro (prêmio máximo da Quadrienal, representando três cavalos conduzidos por um homem), acredito que é preciso continuar a explorar formas de expor o desenho da cena e destacar o homem que conduz a triga – ou seja, o artista, que por vezes tem o total controle e por outras enfrenta o desafio de lidar com o imponderável, o inesperado.

 

Na dualidade entre o real e o fictício, agrada-me pensar a Imaginação como a maneira de ver o mundo por meio da subjetividade que a arte oferece, em contraponto à literalidade. Este borrar de limites abre um campo fértil para explorar possibilidades do desenho da cena a partir das relações entre o real e o ficcional, e também o conflito entre sua efemeridade e a eternização do efêmero.

 

O conceito de Transformação instiga a refletir sobre quais objetivos movem o processo criativo e, sobretudo, para quê e para quem deflagrar uma produção de arte.

 

O terceiro eixo, a Memória, assinala o repertório, códigos por meio dos quais artista e espectador se comunicam, sendo a obra a mediadora deste encontro.

 

Nesse aspecto, as poéticas não-textuais materializadas pelo desenho da cena imprimem essa subjetividade no contexto da PQ e não se limitam a apresentar cenários, maquetes, objetos ou fragmentos que um dia foram parte de um espetáculo teatral, mas também convidam os artistas a deflagrar processos criativos nos quais o desenho da cena resulte em performance.

 

Em 2019, para a principal mostra – a Exposição de Países e Regiões – é desejo desta curadoria, em fundamental diálogo com a atualidade, apresentar em Praga dois formatos que irão coexistir no mesmo espaço: Arquivos e Intersecções (sobre estes dois aspectos, você poderá ler mais detalhadamente na aba “Mostra Países e Regiões”).

 

O olhar para o processo e seu resultado materializado também conduz o projeto para a Mostra dos Estudantes, que deve ressaltar, como o título e o tema indicam, a produção, o imaginário e o ilimitado da imaginação dos jovens artistas em formação.

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Aby Cohen participou pela primeira vez na PQ como assistente, pelo Brasil, em 1995, quando o Brasil conquistou a primeira triga de ouro. Em 1999 fez sua primeira curadoria adjunta pelo Brasil e de projeto expositivo para a Seção Temática (seção extinta que deu lugar em 2003 à Scenofest). Em 2003 e 2007 participou apenas na Scenofest, em 2007 foi assistente de curadoria na equipe internacional composta por membros da OISTAT, no espaço concebido por Jean Guy-Lecat. Em 2011 na função de curadora e designer da Mostra Brasileira de Países e Regiões, a convite de Antonio Grassi, conquistou o prêmio máximo dedicado a este segmento – a Triga de Ouro. Resultado de seu trabalho, foi convidada a integrar a equipe artística na PQ2015 para assumir a curadoria para SharedSpace/Politics. Durante este percurso, em 2001 funda, junto com a cenógrafa Luciana Bueno, o grupo CenografiaBrasil, por meio do qua inauguram uma série de ações – encontros, debates, projetos que tiveram lugar no SESC Consolação, Teatro de Arena Eugênio Kusnet e Funarte SP, ações que resultaram transformadoras do modo de representação do nosso país na PQ, a partir de 2007. Autora do projeto Desenhos de Cena# , tendo realizado Cena#1 em 2016 – São Paulo e, Cena#2 em 2017 –Taipei; projeto inédito no qual explora possibilidades de expor e criar cenografia e demais disciplinas do desenho da cena.